segunda-feira, julho 18, 2016

Read me, fix me


Fix me, por Sofia Gonçalves

E depois de tantos anos, chega a altura que não sabes mais quem és.
Após 24 anos a ser tão terra a terra, tiram-te o chão e não sabes mais quem és.
Então ficas sozinha, no beco escuro, a tentar perceber quem és tu e o que é tudo o resto.
A tua cabeça que já tanto pensa e inventa, multiplica todos esses pensamentos e processa-os a uma velocidade alucinante, como se estivesse a viajar no tempo e pelo meio, no beco escuro, perdes a noção do real e deixa de ser possível fazer qualquer distinção entre o surreal e o real.
Então esta és tu. No beco escuro, sozinha, sem rumo. Perdeste tudo, perdeste as amizades de presença, perdeste as amizades de ausência, perdeste a âncora e perdeste-te a ti. És vazia.
Vazia mas de pensamento cheio, cheio de nada, mas cheio.

Inundas-te das inúmeras possibilidades da tua vida, enquanto te afogas e esqueces de tudo o resto.
Tens 24 anos e o beco escuro é a tua vida: vazia, não vivida.

E que sabes tu da vida? Deste o corpo às balas, mas elas não te fizeram humana, fizeram-te inatingível, não cedes, não fraquejas, tornaste dispensável aos olhos do mundo porque ninguém tem tempo para te tentar quebrar, para te tentar aceder, ler.
Que sabes tu da vida para além de só saber cuidar de ti? Quanto egoísmo, pensam eles.
Mas na verdade, tu tens muito mais em ti, só não te permites dar. Eles não sabem de nada.
Tens medo que se te deres, alguém te vá partir, tens medo que se te deres, não saibas mais viver sozinha, tens medo que se te deres, alguém te tire tudo e te deixe sem nada.
Então não te dás. E perdes todas as aventuras da vida. Perdes a vida.
Só esperas encontrar alguém capaz de te devolver a confiança traída, mas talvez já tenhas encontrado e deixado escapar.
E como sabes tu que assim foi ou que ainda está para vir?
Como sabes tu as decisões certas a fazer se a tua cabeça não é mais capaz de decidir?
Como sabes tu que rumo tomar?
Então, ficas só aqui, não te deixas ler nem consertar, porque hoje o beco escuro, é o teu refúgio ao luar.